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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Documentos secretos revelam a verdade por trás do colapso soviético - Christian Neef.

Os comunistas radicais deram um golpe contra Mikhail Gorbachev 20 anos atrás, e a União Soviética caiu pouco depois. Documentos antes desconhecidos, obtidos pelo “Spiegel”, mostram como o último líder soviético estava desesperado enquanto lutava para se manter no poder – e como ele implorou à Alemanha por dinheiro para salvar seu país.
Há um momento determinado – uma única decisão- que algumas pessoas ainda guardam contra Mikhail Gorbachev hoje, 20 anos depois. Gorbachev, o último líder do Partido Comunista Soviético e último presidente da União Soviética, sua mulher e seu círculo de confiança mais próximo sobreviveram à tentativa de golpe da KGB, dos comandantes das forças armadas e do ministro do interior. Eles tiveram permissão para voltar para Moscou da prisão domiciliar imposta na casa de férias de Gorbachev em Foros, na Crimeia. Seu avião pousou na capital às 2h15 da manhã, hora local, no dia 22 de agosto de 1991.Nos três dias anteriores, cerca de 60.000 pessoas tinham acampado na frente da Casa Branca russa, o assento parlamentar da República Soviética, que tinha se tornado o reduto dos defensores de Gorbachev. Quando ouviram no rádio que ele havia sido liberado da prisão domiciliar na península da Crimeia, eles deram vivas, gritaram “presidente, presidente” e esperaram a chegada de Gorbachev, que na época estava com 60 anos.
Contudo, Gorbachev, que só foi liberado por que os líderes do golpe tinham ficado com medo de seu próprio povo e não se aventuraram a invadir a Casa Branca, chocou seus camaradas russos em júbilo. Em vez de pedir para ser levado do aeroporto diretamente para junto de seus partidários, e em vez de saborear o momento de vitória e celebrar a derrota dos conspiradores, ele mandou o motorista levá-lo à sua datcha. Ele passou o resto da noite em casa e foi trabalhar no Kremlin na manhã seguinte.
Pelos padrões de hoje, foi uma gafe de relações públicas sem tamanho. Mas os três dias de prisão domiciliar na península da Crimeia não havia apenas confundido o país, também prejudicado o equilíbrio interno de Gorbachev – e especialmente da mulher dele, Raisa Maximovna Gorbachova.

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A mulher de Gorbachev foi quem pagou o maior preço pelos três dias. No voo de volta para Moscou, ela precisou se deitar. Tinha hematomas nos olhos, a fala estava prejudicada e sentia um lado do corpo paralisado. Os médicos diagnosticaram um derrame, que depois se concluiu ter sido um ataque severo de hipertensão.
O estresse daqueles dias, quando a União Soviética estava chegando ao fim após quase 69 anos de existência, foi demais para os Gorbachev. Quem agora brilhava como novo astro político em Moscou não era o diretor do Kremlin, mas seu antigo protegido, Boris Yeltsin. Imediatamente após o golpe, Yeltsin proibiu todas as atividades do Partido Comunista Soviético, do qual Gorbachev havia sido secretário-geral até então. E, com o movimento de secessão entre as repúblicas soviéticas não russas, Gorbachev se tornou um presidente sem um Estado. Logo, o que restava do centro da República da União Soviética seria a Rússia, que Gorbachev não mais controlava.
Raisa Gorbachova passou os dias pós-golpe na varanda da datcha do presidente. 
Foi em um desses dias que ela apagou seu passado, queimando 52 cartas que seu marido havia escrito a ela em viagens oficiais. Eram “cartas de nossa juventude”, como Gorbachev disse mais tarde, cartas que a mulher tinha guardado a vida toda. Mas após suas experiências em Foros, ela ficou com medo, inclusive daqueles que assumiriam o poder no futuro. Ela chorou ao jogar no forno as cartas cuidadosamente preservadas, dizendo ao marido que queria impedir que pessoas de fora se metessem em suas vidas.
Gorbachev, que estava igualmente perdido sobre o que ia acontecer com sua família e o país nas próximas semanas, e que respeitava as opiniões da mulher, seguiu seu exemplo e começou a queimar outros documentos.
Ele jogou 25 cadernos nas chamas. Eles incluíam notas que havia feito quando estava no cargo, detalhes do dia-a-dia da vida política, descrições dos políticos e vários projetos. O único que guardou foi seu diário privado. Quase 20 anos se passaram antes dele citar esse incidente, em uma entrevista de fevereiro de 2011 ao jornal que ele publica, “Novaya Gazeta”.

Arquivo contém milhares de documentos

Os documentos oficiais de seus quase seis anos no cargo foram preservados. Gorbachev levou-os quando anunciou sua renúncia como presidente soviético no final do ano e doou-os para a fundação que tem seu nome. Desde então, cerca de 10.000 documentos estão armazenados na sede da fundação em Leningrad Prospect 39, em Moscou. Eles incluem os arquivos de seus assessores de política externa, Vadim Zagladin e Anatoly Chernyaev.
Os papeis ilustram o período final do experimento comunista. Eles incluem as minutas das negociações com líderes estrangeiros, as recomendações dos assessores de Gorbachev escritas à mão, as observações para conversas de telefone e gravações dessas conversas, notas confidenciais de embaixadores e registros estenográficos de debates no politburo.
Nenhuma das questões com as quais o auto-proclamado reformista da União Soviética foi confrontado nesses anos ficou de fora.
Há memorandos nos quais o líder soviético é aconselhado sobre como pôr fim à guerra no Afeganistão ou como lidar com os judeus que emigravam, ou explicar para ele por que deveria se recusar a se reunir com o líder palestino Yasser Arafat (“Nada real pode ser esperado dele”), ou por que deveria evitar levar Mathias Rust, jovem aviador alemão que pousou ilegalmente um pequeno avião perto da praça Vermelha, à justiça e em vez disso recebê-lo no Kremlin (“Há questões sobre seu estado psicológico”).
Há relatos de fontes de dentro do Partido Comunista da Alemanha Oriental, descrevendo como estavam as condições na Alemanha Oriental e detalhando quem ainda era confiável no politburo em Berlim Oriental. E há relatórios igualmente meticulosos sobre o que a revista francesa “Paris Match” escreveu sobre Raisa Gorbachova, ou o que a cantora russa Alla Pugacheva disse a uma revista alemã sobre a política de perestroica de Gorbachev.

Burocracia ineficiente

A leitura dos documentos é uma volta no tempo. De uma só vez, eles revelam os muitos problemas do sistema calcificado, desde a rebelião de agricultores e mineiros até intelectuais exigindo eleições democráticas. O povo dos Estados bálticos, os georgianos e os moldávios estavam se revoltando contra os russos, enquanto o fim da doutrina Brejnev – a política externa da União Soviética que ditava que os países não poderiam deixar o Pacto de Varsóvia- estava surgindo na Europa Oriental.
Gorbachev, que tinha sido autoridade da província de Stavropol, segurava o leme do país, observando-o sufocar como resultado de seu enorme tamanho e a recusa de sua burocracia em mudar de rumo. Os documentos também mostram que, mesmo sob Gorbachev, a burocracia estava ineficiente como sempre.
O assessor de Gorbachev Anatoly Chernyaev, por exemplo, reclama dos líderes incompetentes do movimento comunista global, como o diretor do Partido Comunista francês Georges Marchais (“cavalo morto”) e Gus Hall, do Partido Comunista EUA (“um filisteu com conceitos plebeus”). Ainda assim, Moscou pagava milhões para seus representantes em torno do mundo.
Nessa época, as lojas na União Soviética estavam sem ovos e açúcar, e até a vodca estava em falta. As condições eram tão ruins que, em setembro de 1988, Chernyaev teve que submeter um pedido escrito para que uma conexão telefônica fosse instalada no apartamento de seu motorista Nikolai Nikolayevich Maikov, para que o secretário-geral pudesse alcançá-lo.
O “Spiegel” também é mencionado repetidamente nos documentos internos do arquivo de Gorbachev. Por exemplo, um memorando de junho de 1987 revela que Chernyaev ficou claramente revoltado com as 54 questões que jornalistas do “Spiegel” enviaram ao líder do Kremlin, que ele caracterizou como “bastante insolentes”. Ele suspeitava que o “Spiegel” pretendia conduzir a entrevista que tinha solicitado a Gorbachev como “um interrogatório”. No memorando, Chernyaev escreve que o Kremlin deveria “é claro, não reagir” ao pedido. O pedido está carimbado com “devolução com negativa”. De fato, a entrevista não aconteceu. Hoje, 24 anos depois, está claro o motivo.
Ainda é tabu

Gorbachev mais tarde usou alguns dos documentos em seus livros, para desgosto da atual liderança do Kremlin. Mas muitos dos documentos são tabus até hoje. Em parte porque se relacionam a decisões ou pessoas sobre as quais Gorbachev ainda não deseja discutir. Mas a maior parte porque não se encaixam com a imagem que Gorbachev fez de si mesmo, ou seja, de um reformista avançando com determinação, gradualmente redesenhando seu enorme país de acordo com suas ideias.
Durante uma visita de pesquisa à Fundação Gorbachev, o jovem historiador russo Pavel Stroilov, que atualmente mora em Londres, secretamente copiou cerca de 30.000 páginas do material arquivado e disponibilizou-as ao “Spiegel”.
Os documentos revelam algo que Gorbachev prefere manter em silêncio: que foi movido a agir pela situação do Estado soviético moribundo e que frequentemente perdia as coisas no caos. Eles também mostram que ele tinha duas caras e, contrário às suas declarações, algumas vezes fazia acordos com os radicais do partido e militares.
Em outras palavras, o líder do Kremlin fez o que muitos estadistas aposentados fazem: retocou sua imagem para que transmitisse a de um honesto reformista.

Tradução: Deborah Weinberg

Veja mais:

(Fonte: NEEF, Christian. Documentos secretos revelam a verdade por trás do colapso soviético.  Disponível em:http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/08/12/documentos-secretos-revelam-a-verdade-por-tras-do-colapso-sovietico.jhtm)

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