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domingo, 11 de novembro de 2018

A depressão nas animações: muito além de melancolia

                                                               
                                         Direção: Wolfgang Reitherman e John Lounsberry
                                         Produção:  Wolfgang Reitherman
                                         Ano: 1966
                                         Duração: 2'21''

     Dentro dos desenhos animados, personagens como Ió de "O Ursinho Pooh" nos divertem através de seu mal humor e desânimo, comportamentos que chegam ao sujeito-receptor (crianças e adultos) - que foram marcados pelo desenho - muitas vezes como inofensivos. No entanto, sabemos o quanto a mensagem passada é bem mais profunda do que pensamos ser, a tristeza de Ió não é tão somente um simples mal humor, mas é possível identificar como um dos estágios da depressão: a nova doença do século.
     A depressão é mais profunda e mais silenciosa do que se imagina e considerada a nova epidemia - depois de peste negra, malária e doença de chagas -, que atinge muitos seres humanos, mas não se cura num clínico geral e nem se previne com vacinas.
     Pessoas que foram diagnosticadas com essa doença relatam a perda da alegria ao seu redor, dos sabores da vida que perderam o gosto, o sorriso desaparecido do rosto; sentimentos e manifestações semelhantes que podemos ver na cena em que o personagem perde sua cauda e nem ao menos se importa em como ela estaria. Destacamos esse trecho não tão somente a perda de uma cauda, mas sim quando perdemos algo de nossa essência de vida. Não seria assim também com a gente com a perda de sensações belas que aprendemos a ter e valorizar na vida?
     Fora dos desenhos animados as coisas se repetem, o paciente com depressão perde a vontade de realizar atividades prazerosas, sente um profundo vazio, não vê a importância das coisas.
Há quem acha que tudo seja uma "frescura", ou trate apenas como um "mal humor" assim como os outros personagens do desenho tratam o Ió. Numa passagem de um episódio o garotinho Christopher Robin pede para que o pequeno Ió não fique tão triste, o  que sabemos que não é tão fácil assim para pessoas que enfrentam essa condição, e talvez por isso muitas pessoas que não conheçam a imensidão da doença ou que não queiram não aceitar que seu filho que antes ria de tudo, seu amigo que ia a todas as festas ou sua esposa que sempre era tão alegre, caíram em “estranhas” e profundas amarguras, que podem ser sinais desse “mal do século” os abraçando.
     Não levar a sério a doença do outro piora a situação, banaliza sua dor, e cabe aqui para nós uma reflexão do psiquiatra e escritor Augusto Cury:" Nunca despreze as pessoas deprimidas. A depressão é o último estágio da dor humana”.
     Sabemos que o ser humano pode ser muito amargurado e egoísta, como já dizia Machado de Assis em alguns de seus contos, mas ele também pode ser empático, amoroso e prestativo para aqueles que precisam: como seu vizinho que não sai mais de casa, seu filho que só fica aos prantos no quarto, ou para seu amigo que pediu afastamento do trabalho. Todos eles esperam uma luz, para não tornarem seus mundos internos como o de Ió, e essa luz pode ser você.

Autora: Ana Beatriz Angelis Pires - estudante da 2ª série do Ensino Médio do Centro Paula Souza - ETEC de Registro (SP)

 Quer saber um pouco mais? Então acesse os endereços abaixo:

1. Você sabia?: os personagens do Ursinho Pooh são representaçãoes de doenças mentais -  https://cinepop.com.br/voce-sabia-os-personagens-de-ursinho-pooh-sao-representacoes-de-doencas-mentais-162690
2. Ursinho Pooh: conheça a verdadeira história sobre a "Ursinha Pooh" - https://www.huffpostbrasil.com/2015/11/10/menino-ou-menina-conheca-a-verdadeira-historia-sobre-a-ursinha_a_21696755/

domingo, 4 de novembro de 2018

Mulheres na Animação?


Profissionais brasileiras apontam “gap cultural” machista em Annecy

“Tenho 20 ou 30 anos de carreira, e apenas há alguns anos consegui juntar coragem para ter voz num filme", diz Rosana Urbes, vencedora do prêmio principal de Annecy em 2015.


                                       Letícia Friedrich, diretora da Associação Brasileira do Cinema de Animação (ABCA).
Se a animação brasileira completou 100 anos em 2017, foi apenas no ano 2000 que uma mulher, Mariana Caltabiano, assinou a direção de um longa-metragem do gênero no país. Durante a 2ª edição dos Encontros Internacionais de Mulheres no Cinema de Animação, que abriu o 42º Festival de Annecy, em 2018, os números mostram que o setor continua amplamente dominado pelos homens, um assunto que tem atraído a atenção do evento há vários anos, e que foi bastante discutido este ano pela associação francesa Les Femmes s'Animent (As Mulheres se Animam), fundada em 2015, e a norte-americana Women in Animation (Mulheres na Animação), criada há 15 anos.
Enviada especial a Annecy
O festival acaba de ratificar um documento pela paridade e diversidade de gêneros em festivais, lançado no Festival Internacional de Cinema de Cannes. Direto de Annecy, a RFI conversou com Letícia Friedrich, diretora da Associação Brasileira do Cinema de Animação (ABCA) e com a animadora Rosana Urbes, vencedora do prêmio de melhor curta-metragem do Festival de Annecy de 2015 com “Guida”, para entender o panorama e o contexto das mulheres dentro do cinema de animação brasileiro.
Dos 740 filmes premiados em Annecy desde 1960, apenas 20% foram feitos ou codirigidos por mulheres. A constatação foi tema de debates importantes durante o evento deste ano, patrocinados por um número crescente de grandes estúdios de animação, como DreamWorks Animation, Netflix, Walt Disney Animation Studios, Sony Pictures Animation, Warner Animation Group, Blue Sky Studios, e Pixar Animation Studios.  Segundo Patrick Eveno, diretor do Festival do Filme de Animação de Annecy, a questão é urgente. “É por isso que concordamos em assinar o documento 50/50 [lançado no Festival de Cannes 2018] para 2020 – pela paridade de gêneros e pela diversidade nos festivais de filmes e de animação", afirmou.
"O tsunami causado pelo caso [Harvey] Weinstein esclareceu, pelo menos, algumas das questões que tentamos abordar desde a criação da associação. Em outubro de 2016, organizamos uma primeira mesa-redonda sobre assédio no setor. Ficamos chocadas ao ver o quão fortes eram os testemunhos”, disse Corinne Kouper, uma das fundadoras da Les Femmes s'Animent. Os números franceses mostram ainda que as mulheres são maioria das escolas de Animação, mas que existe uma queda livre dessa profissionalização feminina, depois dos 30 anos.
Na França, o número de mulheres diretoras de filmes de animação continua muito menor do que os homens. No setor de curtas-metragens, apenas 171 filmes foram feitos por mulheres contra 441 assinados por homens, no período de 2009 a 2016. Em longa-metragens de animação, apenas dez mulheres assinaram um filme entre 2003 e 2017, dos 154 projetos aprovados pelo CNC, o Centro Nacional de Cinematografia da França. No mesmo período, os orçamentos de filmes feitos por mulheres são significativamente mais baixos do que os dos homens: a média atinge € 3,98 milhões de euros para animadoras e € 6,9 milhões de euros para seus colegas do gênero masculino.
E no Brasil?

“Ainda não sabemos, porque não existem estatísticas sobre a produção feminina na área de animação no Brasil”, conta Letícia Friedrich, diretora da Associação Brasileira do Cinema de Animação (ABCA). “Acabamos de formar um grupo de pesquisa entre animadoras, e estamos levantando informações. Até duas semanas atrás achávamos, por exemplo, que a primeira mulher a ter seu nome nos créditos de um filme de animação tinha sido na década de 1980. Descobrimos recentemente que foi nos anos 1960”, relata Friedrich.
“A animação brasileira completou um século no ano passado. Foram quase 40 anos sem mulheres nos créditos. A primeira mulher a dirigir um longa-metragem de animação foi Mariana Caltabiano, apenas no ano 2000. Temos então um gap cultural machista de quase 90 anos”, aponta Friedrich. A diretora da ABCA lembra que o setor vive uma “aurora”, há cerca de 10 anos. “A animação brasileira é hoje um dos conteúdos que mais se exporta do audiovisual e a mulher brasileira vem tendo um papel muito importante nesse protagonismo, temos excelentes produtoras, diretoras e animadoras, com capacidade técnica de ponta”, lembra.
“Enfrentamos muitas barreiras de preconceito, é um mercado muito masculino. Tivemos muitas mulheres animadoras brasileiras performando no mercado exterior, muitas vezes por não terem espaço aqui dentro, de cinema e de televisão de animação. Como foi o caso da Rosana Urbes, que trabalhou anos na Disney, animou a personagem “Mulan”, e ganhou o prêmio principal aqui no Festival de Annecy em 2015 com seu curta”, lembra Friedrich. Ela lembra outras mulheres que marcaram a história da animação brasileira, como Aida Queiroz e Lea Zagury, diretoras do Anima Mundi, e Rosaria, diretora de “O projeto do meu pai”, filme de 2016 que arrebatou alguns dos maiores prêmios da animação mundial.
Mas a herança machista deixou seu rastro na animação brasileira, segundo a diretora da ABCA. “Desde março, quando criamos o grupo, venho ouvindo muitas histórias, que incluem desde machismo até homens não aceitarem mulheres em posições como diretoras ou roteiristas principais, projetos roubados de mulheres dentro de estúdios e dados a um homem, tudo isso ainda acontece”, afirma Friedrich.
“Demorei 20 anos para aprender que o que fazia tinha valor”
A diretora brasileira Rosana Urbes, diretora do curta-metragem “Guida”, filme vencedor do Festival de Annecy em 2015, acredita que na animação, assim como em várias outras áreas, a mulher nunca foi autorizada, criada ou preparada para pensar que ela pudesse dirigir, animar, escrever, produzir. 
“Venho da ilustração, antes da animação. Como ilustradora, tenho um caso que é representativo. Uma vez, no Salão de Humor de Piracicaba, percebi de repente, na exposição com 500 obras, que nenhum deles era feito por uma mulher. Perguntei pra um amigo ilustrador o porquê, e ele me respondeu uma coisa impensável, ele me disse ‘você sabe, mulher não tem muita necessidade de se expressar artisticamente’", conta Urbes. “Perguntei se ele não achava que opressão tinha a ver com isso; ele me disse que não, que hoje em dia as mulheres já haviam se libertado”, diz.
“Essa é uma conversa que tive há seis anos atrás com um formador de opinião, porque ilustrador é formador de opinião, vai fazer desenhos que influenciam um imaginário”, contextualiza a diretora. “Um outro colega chegou a me dizer que se tratava de um Clube do Bolinha mesmo”, lembra.
“Tenho 20 ou 30 anos de carreira, e apenas há alguns anos consegui juntar coragem para ter voz num filme, para contar a minha história”, diz Urbes, que levou o prêmio principal de Annecy com seu primeiro curta de animação, “Guida”. A razão, segundo a diretora e ilustradora brasileira, escolhida pelos estúdios Disney, nos Estados Unidos, para animar a revolucionária personagem “Mulan”, é que ela demorou muito “para ter confiança de que o que eu fazia tinha valor”. “Um filme de animação é um projeto de muitos anos. Chegar ao final do processo e descobrir que não valeu a pena pode destruir um artista, uma equipe”, revela a diretora brasileira.
Rosana Urbes, da safra de mulheres que vem fazendo as honras da animação brasileira no exterior, comemora em Annecy sua nova conquista: a produção de seu novo filme de animação no Brasil, “Safo”, sobre a famosa poeta grega. “Acabamos de ter o sinal verde do BNDES. A ideia é criar uma série de animação apenas sobre mulheres escritoras”, diz. Os anos do “Clube do Bolinha” parecem ter ficado para trás, no rastro das conquistas femininas no panorama mundial da animação. Como diz o ditado popular: “Agora é que são elas”. 
(Fonte: