O livro A grande arte da luz e da sombra – arqueologia do cinema, de Laurent Mannoni é indicado a todos os que tem interesse em aprofundar sobre a história do cinema muito além do glamour que a indústria cultural divulga e ampliar, além das fronteiras e ideologias, as verdadeiras contribuições para a gestação, nascimento e crescimento da sétima arte.
(MANNONI, Laurent. A grande arte
da luz e da sombra – arqueologia do cinema. São Paulo: SENAC São Paulo:
UNESP, 2003.)
Essa obra nos mostra que
foi no século XIX que as tentativas (e sonhos) de congelar momentos presentes
de alguma situação/fato puderam se concretizar (inicialmente) a partir da
criação/desenvolvimento técnico e evolução da fotografia, que serviu para
registrar movimentos dos animais e ações da natureza e identificar (e
distinguir) as características únicas do indivíduo. Mas essa técnica que vinha
sendo buscada e pretendida a muitos anos/séculos pelos pesquisadores e
estudiosos de séculos anteriores - desde o XVI com Christian Huyigens,
Athanasius Kircher, Jacques Charles, Étienne-Gaspar ‘Robertson’, Joseph
Plateau, Pierre Séguin, Henry-Désiré Du Mont, Edward James Muybridge,
Étienne-Jules Marey, -Emile Reynaud, Thomas Edison, Max Skaladanovsky entre
tantos outros – não foi o único marco da modernidade que ocorreu/transmutou-se
na virada do século XIX para o XX, mas veio reforçada simbolizadas/exemplificadas
na mudança da paisagem visual e na velocidade/rapidez no cotidiano.
É possível percebermos
ainda que numa leitura em outro autor (GUNNING, 2004) que é justamente no
contexto novo, e de mudanças amplas, nos modos de trabalhar e produzir
com predomínio (e pressão) do relógio; nos modos de viver com a
concentração de pessoas em boulevares para conhecer e buscar o
moderno/novo/diferente; e o desenvolvimento de novas idéias no modo de produção
capitalista com influência da ciência administrativa de F. Taylor e a linha de
montagem de H. Ford, que “O cinema instalou-se nessa rede
de circulação como tecnologia e indústria e também como nova forma de
experiência. Como indústria de entretenimento produzida em massa, com um
sistema nacional de distribuição em 1909, o comércio cinematográfico explorou
as redes de estrada de ferro antes percorridas pelos circuitos de vaudeville e
trens de circos. Os primeiros gêneros do cinema, em especial aquelas formas
aparentemente diversas como documentários de viagens e filmes de truques,
visualizaram uma experiência moderna de alteração rápida, pela apresentação de
visões estrangeiras, de locações remotas, ou pela criação, por meio da
fotografia trucada, de uma sucessão de transformações que deslocavam a
identidade estável de objetos e atores”. (GUNNING, 2004, p.34)
“Mas os registros feitos desses
momentos através dos desenhos em placas ou papéis e principalmente pela
fotografia compõem o novo panorama da segunda modernidade do capital e
encaixa/classifica cada aspecto em seu lugar e importância pois passa a ser um
olhar único dentro de um todo interrelacionado. E esse lugar importante e
essencial que o cinema ocupou na virada do século XIX para o XX e ainda ocupa
atualmente foi antecipado pela “comercialização das fotografias fixas, em
especial o cartão-postal e o estereoscópio” (GUNNING, 2004, p.34)
Esse cinema de nada seria
como tal sem os avanços e ‘loucuras’ de abnegados nessa tentativa de parar um
tempo ou registrá-lo para a eternidade e gerações futuras, e assim a utilidade
da fotografia fixa foi além do uso policial para identificação e registro
criminal de representar ficções de situações cotidianas em estúdios criados com
esse propósito de moving pictures. É aqui que os estudos de Edward James
Muybridge (1830-1904) e Ètienne-Jules Marey (1830-1904) para análise de
movimentos corporais tornaram-se importantes e somaram para o avanço da
fotografia no caminho do cinematógrafo e sua apresentação pública paga no final
do século XIX.
Foram vários os estudiosos
(abnegados) que dedicaram suas vidas – desde a câmera escura e lanterna mágica
até antes do cinematógrafo - a pesquisa com o intuito de manipular
as imagens representativas da natureza em toda a sua imensidão e criar instrumentos
ou aperfeiçoar técnicas que possibilitassem isso. Dentre esses está Emily
Reynaud (Charles-Emily Reynaud-1844-1918) que é conhecido e citado, na maioria
das vezes, como o inventor do praxinoscópio ou o pai da animação fez muito mais
pelo aparecimento e pela evolução dessa sétima arte do que os sempre citados
‘inventores’ ou comerciantes das imagens em movimento. Foi devido a sua
dedicação e autodidatismo que passou pelas lições e aprendizagens em montagem
de instrumentos óticos e científicos, desenho industrial, aprendeu a fazer
placas de projeção animadas e pinturas em vidro – além de estudar ciência e
latim – e a promoção de cursos de fotografia e de ciência física que conquistou
os fundamentos necessários para investir e fazer avançar as pesquisas sobre moving
pictures.
Importante citar que o
livro destaca ainda que uma das grandes contribuições de Reynaud foi a invenção
do praxinoscópio - cujo funcionamento é tão bem descrito no livro -
(1876-1877) e com este o aperfeiçoamento das técnicas de projeção das
imagens que avançou para o teatro óptico – ampliação do primeiro aparelho – que
representou um avanço enorme nas projeções animadas. O pesquisador Mannonni
(2003, p. 374-378) afirma com clareza e defesa que “Reynaud ultrapassou
todos os seus antecessores em qualidade técnica e artística. Como Robertson
antes dele, mas ainda melhor, oferecia longas sessões de projeção em cores,
animadas e sonoras.[...] Reynaud não é, portanto, um “precursor”; o que ele fez
foi cinema de verdade, tanto como espetáculo como “escritura do movimento.” Mas
Reynaud não foi o único personagem/estudioso de destaque e nem a Europa o
único continente que corria atrás dessa busca de controle dos movimentos em
imagens.
É no contexto do século XIX que
as pesquisas anteriores foram coroadas e confluíram para a invenção do
cinema, mas não sem ter ocorrido uma ‘corrida’ (final) entre os
empresários-inventores e estudiosos para ver quem conseguia se consolidar (com
sua invenção) na efetivação de uma série de representações públicas pagas (as
PPPP). Nesse contexto apareceram os aperfeiçoadores ou ‘artesãos de última
hora’ (MANNONNI, 2003) dos inventos conhecidos e comercializados e das técnicas
já existentes, como Georges Demenÿ, os irmãos Otway e Gray Lathan (diretores da
KiKinetoscope Exhibition Company – uma das empresas que explorou a invenção de
Thomas A. Edison), Léon Gaumont, George Willian de Bedts, os irmãos Pathé
com a fundação da indústria/império cinematográfico com o nome Pathé Frères e
os irmãos Auguste e Louis Lumiére (como industriais de fotografia).
Para encerrar é importante
destacar ainda que para muitos estudiosos do cinema como Araújo (1995), Bergan
(2007), Sabadin (2009), Sadoul (1963) entre outros a data de 28 de
dezembro de 1895 é o grande marco do início do cinema com a apresentação de 20
minutos de imagens em movimento feita pelos irmãos Lumiére no Salão Indiano
Grand Café do Boulevard dês Capucines, em Paris considerada a primeira projeção
pública paga (PPPP). Enfim é ler para aprender, compreender, para se deleitar e
enxergar além da tela.
Mannonni (2003, p. 57) conta que “A lanterna
“mágica” representa a mais duradoura, a mais inventiva, a mais artística das
idéias-mestras que antecederam o nascimento do cinema”.
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