Produzido no início dos anos 70, com múltiplas
referências à estética HQ, filme de Jacques Doillon imagina uma greve geral
contra o capitalismo. Contra-sistema, contracultura,
contra-cinema. Deliciosa, absurda e irreverente anarquia, indispensável
quando o sistema se pretende avassalador.
E se o mundo combinasse, de um dia para o outro, parar de trabalhar? Se os operários largassem as fábricas, os bancários abandonassem os bancos, os estudantes parassem de ir às escolas e todos cruzassem os braços contra o sistema? Esse seria o utópico “ano 01” do título, referente ao começo de uma vida nova.
E se o mundo combinasse, de um dia para o outro, parar de trabalhar? Se os operários largassem as fábricas, os bancários abandonassem os bancos, os estudantes parassem de ir às escolas e todos cruzassem os braços contra o sistema? Esse seria o utópico “ano 01” do título, referente ao começo de uma vida nova.
O diretor Jacques Doillon assina a direção do
roteiro, escrito pelo cartunista Gébé. Embora não se trate de um desenho
animado, é essa linguagem que inspira o caminhar da narrativa. As passagens são
fragmentárias, desconectadas entre si, e cada uma contém um humor e uma piada
em especial. Aos poucos, essas várias “charges cinematográficas”, ou “desenhos
animados filmados”, unem-se e passam a constituir uma narrativa.
Afinal, para conteúdo subversivo, estética
subversiva. Doillon vai ao fundo de sua proposta e faz um filme sem personagens
principais. Os atores são centenas de conhecidos (Gérard Depardieu, Thierry
Lhermitte, Miou-Miou, Coluche), que aparecem em pequenas pontas, mas nunca
reaparecem. O grande personagem, aqui, é o povo, ou então a revolução.
Neste mundo utópico, essas vozes são caladas pelo povo, que adere em massa à greve e se recusa a retornar ao sistema capitalista.
"E se o mundo combinasse, de um dia para o outro, parar de trabalhar?" - Fonte da imagem: Diplo.
A produção data de 1972, portanto, ainda no calor do
maio de 68, dos ideais jovens e do movimento hippie. Engraçado notar que essa
colagem enlouquecida passa a constituir um verdadeiro documento histórico
(sobre a ascenção da prática de liberdade e igualdade) e ideológico (sobre o
desenvolvimento das idéias que permitiram esses eventos de se produzirem).
A anarquia de Doillon e da época não se baseia no
contra-governo a na tomada de poder, mas na idéia anterior (e um tanto
romântica) de ausência de poder. Nesse pensamento, a terra (agricultura)
oferece tudo que o homem precisa. Logo, não haveria desejo de enriquecimento. O
dinheiro perderia sentido e o trabalho se reduziria ao mínimo necessário para o
consumo.
Logicamente, sempre há aqueles — patrões, presidentes — que
pedem um retorno à norma e pensam na possibilidade de se aproveitar da situação
para voltar a estocar produtos e constituir monopólio em seus ramos de
produção. Entretanto, neste mundo utópico, essas vozes são caladas pelo povo,
que adere em massa à greve e se recusa a retornar ao sistema capitalista.
Doillon leva sua proposta às últimas conseqüências e
visualiza todos os efeitos dessa paralisação na sociedade: quebra das bolsas de
valores norte-americanas (em cena dirigida pelo convidado Alain Resnais),
melhora de vida nas colônias africanas (cena filmada por Jean Rouch), o fim da
idéia de propriedade e posterior abolição das prisões, produção artística
renovadora e mesmo um pequeno Museu de “objetos inúteis” ligados à vida
consumista, como lustres e máquinas de lavar.
O filme termina nesse ritmo intenso de amor livre, cultura
revolucionária e ideologia anarquista global. Pelo menos aqui, os eventos
históricos não vêm dissolver o movimento, e nenhuma pressão põe em cheque o
futuro do grupo. É difícil não se contaminar, quase 40 anos depois, pelo tom
febril dessa nova sociedade que nos parece, na época de um capitalismo cada vez
mais avassalador, de um absurdo deliciosamente cômico.
L’An 01 (1973)
Filme francês dirigido por Jacques Doillon (com Alain Resnais e Jean Rouch).
Com Cabu, François Cavanna, Gérard Depardiu, Gerard Junot etc.
Duração: 1h27.
Filme francês dirigido por Jacques Doillon (com Alain Resnais e Jean Rouch).
Com Cabu, François Cavanna, Gérard Depardiu, Gerard Junot etc.
Duração: 1h27.
Fotos disponíveis em: All o Cinema.
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