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domingo, 4 de maio de 2014

Crise provoca corrida aos psicanalistas na Espanha.

População recorre à terapia para lidar com queda no padrão de vida.

MADRI — Sem trabalho, com uma ordem de despejo, dois filhos para manter, as consequências de uma separação para administrar e o temor de que o ex-marido tente, novamente, o suicídio, Marta procurou uma psicanalista e pediu socorro. Como não tinha dinheiro para as sessões, contou seu drama e ofereceu, em troca do tratamento, seu serviços de contadora, cuidando, entre outras coisas, da declaração do Imposto de Renda da terapeuta. Marta, assim como o ex-marido, arquiteto, que vem sendo atendido pelos serviços de saúde pública, nunca tinha pensado na possibilidade de, um dia, entrar no consultório de um psicólogo, que, até pouco tempo, era chamado pelos espanhóis de loquero (“que trata loucos”). Se consideravam, conta Marta, “gente com as ideias claras e com a vida resolvida”. Mas o caso dela não é isolado. A mudança de perspectiva é geral. Nestes cinco anos de crise econômica, os consultórios encheram.
— Eu tinha tudo. Sempre fui de classe média. Carro, hipoteca, viagem de férias, família feliz. De um dia para o outro nossa vida começou a desabar como um castelo de areia. Como não consigo achar uma solução, procurei ajuda para, pelo menos, saber lidar com a catástrofe em que se transformou a minha vida. Hoje não tenho nada e, se não fosse por meus pais e por minha irmã, não teria nem como dar de comer às crianças — conta Marta (nome falso), que exige anonimato.
Sentimento de culpa e vergonha
Um denominador comum entre as pessoas que foram empurradas pela crise econômica a bater à porta de consultórios psiquiátricos é a sensação de que perderam o controle sobre suas vidas. Por mais esforço que façam para encontrar trabalho ou não perder suas casas, nada muda o curso dos acontecimentos. A magnitude do problema é tal, afirma o psicanalista e psiquiatra Josep Moya Ollé, coordenador do Observatório de Saúde Mental da Catalunha, que o modelo de intervenção deve mudar urgentemente. Moya avalia que os atendimentos individualizados não estão dando resultado, e os profissionais devem organizar reuniões de ajuda mútua e terapias em grupo no seio da própria sociedade, dentro de centros cívicos, porque se está criando na Espanha uma perigosa situação de isolamento social.
— Há pacientes que dizem que não saem na rua para evitar cruzar com pessoas conhecidas, que se negam a cumprimentá-los, porque estão em uma situação muito precária e deixaram de ter o que tinham. Neste aspecto não podemos culpar Bruxelas ou Wall Street. Este é um problema nosso. A própria sociedade gera este estigma — explica Moya.
O panorama é desolador por onde quer que se olhe: 6,2 milhões de desempregados (uma assustadora taxa de 27%); 10% das residências com todos os seus membros sem trabalho; 513 despejos por dia; mais de 11 milhões de espanhóis (dos 47 milhões) abaixo da linha de pobreza; 26,5% dos menores de 16 anos em risco de exclusão social. Cifras alarmantes que se traduzem em dramas pessoais, marcados por uma culpa irracional.
— Muitos pacientes se perguntam “O que fiz de mal?”, “Onde foi que eu errei?”, “Por que meus filhos vão ter condições de vida piores do que as minhas?”. Uma pessoa pode errar mais ou errar menos, mas há algo que está claro: nenhuma delas provocou esta crise, embora sofram com ela — afirma Moya.
Ao sentimento de culpa se une a vergonha, que torna silencioso o empobrecimento da classe média. As pessoas não falam sobre o naufrágio de suas vidas, e tentam justificar suas atitudes inventando desculpas que ocultam a verdadeira razão, que é a falta de dinheiro. Mudam o filho do colégio particular para o público porque não estavam de acordo com os métodos de ensino; negam-se a pagar taxas extras de condomínio porque as acham absurdas; deixam o carro indefinidamente na oficina mecânica porque andam muito ocupados. Uma luta interna (e externa) vivida por uma boa fatia da população para enfrentar o paradoxo de não ter como consumir em uma sociedade de consumo: algumas estatísticas apontam que cerca de 13 milhões de pessoas que eram parte da classe média espanhola, já não podem se considerar como tal.
— Entre nossos pacientes há pessoas que nunca usaram os serviços públicos, mas, de repente, caíram em uma situação de precariedade tão absoluta que se viram obrigados a comer em “sopões”. Empresários, inclusive. Há gente que se sente tão envergonhada de fazer fila na rua para conseguir um prato de comida que acaba enfrentando sérias dificuldades para se alimentar. Sentem-se observados e preocupados com a imagem diante das outras pessoas — conta Ernolando Parra, coordenador do programa de atendimento gratuito “Tempos de crise”, oferecido pela ONG Psicólogos Sem Fronteiras.
Apoio gratuito aos despejados
 O projeto “Tempos de crise” nasceu para dar apoio aos despejados, um dos maiores dramas atualmente no país: famílias que perdem suas casas por não pagar a hipoteca. Como a entrega do imóvel ao banco não se traduz na quitação da dívida, e a inadimplência gera multas superiores a 20%, espanhóis se veem sem dinheiro, sem ter onde morar, com o nome sujo e com a ameaça de embargo de salário caso consigam, finalmente, um emprego.
— Atendemos pessoas extremamente angustiadas, em casa e com dívidas gigantescas que, com as sessões, acabam vendo que o valor é tão alto que não tem sentido gastar energia pensando em como pagá-lo. Passam a direcionar suas forças a tentar sobreviver, a encontrar uma solução imediata de alojamento, e a cuidar de seus filhos da melhor maneira possível. Sabem que terão que viver da economia informal e que mesmo sendo empreendedores, jamais poderão montar um negócio — diz Parra. — O custo da dívida não é só econômico. É social.
(Fonte: O Globo)

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